TEMPESTADES SEM FIM

AS CHUVAS DE VERÃO

crônica - chuvas verão - 17 dez 16 aj

 

Visitamos a casa da Jô e do Paulo, os pais da Lívia e do Enrico, uma família de grandes amigos. Estavam radiantes com a reforma da casa e fomos celebrar uma bênção familiar, animados pelas vozes do Zequita e da Darci.

Rezamos e conversamos tão fervorosamente, que nem percebemos que a chuva desabava, como se diz em inglês “cats and dogs”

Enrico deu o alarme e todos corremos para o pátio, curiosos e assustados:

– Veja, toda a varanda está alagada, a água não escoa. Está tudo parecendo uma piscina.

– Que bom, disse a Lívia, agora temos uma piscina em casa.

Enquanto se tentava escoar a água, os meninos pareciam excitados:

– Oba, temos uma piscina em casa, custou  baratinho.

– Onde está o telefone do Joaquim. Ele trabalha com o  tal rooter, disse a Jô.

Ao que o Paulo respondeu: – Pega, Zequita, na agenda da sala.

A Darci apareceu  loguinho com a agenda e o telefone na mão.  Jô e Zequita até tentaram ligar, mas não conseguiram. Soubemos depois que os encanamentos não deram conta da quantidade de água que jorrava dos telhados. Foi um alarde geral.

Chegamos inocentemente em nossa casa, faceiros, contando prosa. Qual não foi nosso desapontamento ao ver uma inundação geral. Passamos horas longas enxugando os móveis, todos encharcados e trocando os lençóis. E a chuva, que havia cessado, insistia em gotejar pelas lajes, denunciando calhas entupidas de folhas de árvores.

– Devemos chamar o Cláudio da Lucinha. O Pe. Maurício sempre o chamava nestas ocasiões.

Passamos longas horas enxugando o piso, com panos e toalhas e as águas pareciam não ter fim. A cada canto, aparecia nova corredeira de água. E em tudo, a preocupação que os aparelhos eletrônicos não tivessem sido danificados. Conferimos a televisão, a geladeira, o computador e mesmo os fogões.  Foram horas de trabalho árduo e as toalhas ficaram todas molhadas.

Acreditamos que todos nós já passamos por situações semelhantes, que nos surpreendem; são os fatos da vida que chamamos fatalidade, que fogem de nosso controle e de nossas atenções. São incidentes naturais, como chuvas e enchentes, atropelamentos ou acidentes estradais, ocorrências com os filhos, coisas assim, coisas sem fim.

No meio de nossas incontáveis vassouradas, ficamos comentando sobre tantas pessoas que vivem longos dramas. Lá longe, do outro lado do mundo, famílias e cidades que vivem sob a mira de canhões dos donos do mundo. Famílias que nunca conheceram tempos longos de paz, mas apenas tréguas de poucas horas e, além de tudo, incertas. Perto de nós, bairros e cidades que são assaltadas por tempestades, com grande frequência e que ficam com suas casas inundadas por longos dias. Famílias que perdem eletrodomésticos e objetos do lar que nem sequer foram ainda pagas as prestações. Algumas vezes, vemos as pessoas desesperadas balançando aflitas seus carnês de prestações de objetos que nem existem mais ou já estão condenados.

Quando assistimos pela televisão os dramas das pessoas e das famílias, normalmente muito pobres, ficamos um pouco emocionados, mas desligamos a televisão e vamos dormir ou mudamos para um canal de banalidades e fantasias. É possível se desvincular da realidade com um simples toque do controle remoto. Os jornais trazem estas notícias com tantíssima emoção e nos enchem de indignação. Mas também jogamos no lixo os jornais de cada dia. Pior ainda são os programas “mundo-cão”, que se deliciam com as desgraças sociais e os dramas alheios.

Percebemos então, como vivemos num mundo de alienação. Bem se diz que “a dor da gente não sai no jornal”. É bem verdade. Somente quando tocamos um pouquinho dos sofrimentos humanos, quase que como uma amostra grátis, percebemos o quanto  sofrem nossos irmãos, que perdem suas casas e seus móveis, e não tem meios de resgatar suas condições de vida.

É preciso aprender a lidar com as perdas, mas sobretudo ter sensibilidade para sentir no coração as agruras dos irmãos mais desprotegidos. Sentir no coração suas dores e lutar por eles; pois todo sentimento somente é verdadeiro quando transforma nossas atitudes. 

 

Pe. Antônio S. Bogaz (orionita), doutor em Filosofia, Liturgia e Sacramentos e

Teologia Sistemática – Cristologia

Prof. João H. Hansen, doutor em Literatura Portuguesa e

Ciência da Religião e Pós-doutor em antropologia